domingo, 15 de abril de 2012

Mitologia, religião, ciência, filosofia, senso comum

Antonio Carlos Olivieri - Página 3 Pedagogia & Comunicação



Há muitos modos de se conhecer o mundo, que dependem da situação do sujeito diante do objeto do conhecimento. Ao olhar as estrelas no céu noturno, um índio caiapó as enxerga a partir de um ponto de vista bastante diferente do de um astrônomo.

O caiapó vê nas estrelas as fogueiras que alguns de seus deuses acendem no céu para tornar a noite mais clara. O cientista vê astros que têm luz própria e que formam uma galáxia. O índio compreende e conhece as estrelas a partir de um ponto de vista mitológico ou religioso. O astrônomo as compreende e conhece a partir de um ponto de vista científico. 

A mitologia, a religião e a ciência são formas de conhecer o mundo. São modos do conhecimento, assim como o senso comum, a filosofia e a arte. Todos eles são formas de conhecimento, pois cada um, a seu modo, desvenda os segredos do mundo, explicando-o ou atribuindo-lhe um sentido. Vamos examinar mais de perto cada uma dessas formas de conhecimento.

O mito e a religião

O mito proporciona um conhecimento que explica o mundo a partir da ação de entidades - ou seja, forças, energias, criaturas, personagens - que estão além do mundo natural, que o transcendem, que são sobrenaturais.

Veja, por exemplo, o mito através do qual os antigos gregos explicavam a origem do mundo: 

No princípio era o Caos, o Vazio primordial, vasto abismo insondável, como um imenso mar, denso e profundo, onde nada podia existir. Dessa oca imensidão sem onde nem quando, de um modo inexplicável e incompreensível, emergiram a Noite negra e a Morte impenetrável. Da muda união desses dois entes tenebrosos, no leito infinito do vácuo, nasceu uma entidade de natureza oposta à deles, o Amor, que surgiu cintilando dentro de um ovo incandescente.
Ao ser posto no regaço do Caos, sua casca resfriou e se partiu em duas metades que se transformaram no Céu e na Terra, casal que jazia no espaço, espiando-se em deslumbramento mútuo, empapuçados de amor. Então, o Céu cobriu e fecundou a Terra, fazendo-a gerar muitos filhos que passaram a habitar o vasto corpo da própria mãe, aconchegante e hospitaleiro.

Assim como o mito, a religião, ou melhor, as religiões também apresentam uma explicação sobrenatural para o mundo. Para aderir a uma religião, é obrigatório crer ou ter fé nessa explicação. Além disso, é uma parte fundamental da crença religiosa a fé em que essa explicação sobrenatural proporciona ao homem uma garantia de salvação, bem como prescreve maneiras ou técnicas de obter e conservar essa garantia, que são os ritos, os sacramentos e as orações.

Antes de seguir em frente, convém esclarecer que não vem ao caso discutir aqui a validade do conhecimento religioso. Em matéria de provas objetivas, se a religião não tem como provar a existência de Deus, a ciência também não tem como provar a Sua inexistência. E, a propósito disso, vale a pena apresentar uma outra narrativa filosófica:

Certa vez, um cosmonauta e um neurologista russos discutiam sobre religião. O neurologista era cristão, e o cosmonauta não. “Já estive várias vezes no espaço”, gabou-se o cosmonauta, “e nunca vi nem Deus, nem anjos”. “E eu já operei muitos cérebros inteligentes”, respondeu o neurologista, “e também nunca vi um pensamento”. O mundo de Sofia, Jostein Gaardner, Cia. das Letras, 1995

A ciência

A ciência procura descobrir como a natureza "funciona", considerando, principalmente, as relações de causa e efeito. Nesse sentido, pretende buscar o conhecimento objetivo, isto é, que se baseia nas características do objeto, com interferência mínima do sujeito. Veja, por exemplo, a seguinte descrição científica: 

O coração é um músculo oco, em forma de cone achatado com a base virada para cima e a ponta voltada para baixo, do tamanho aproximado de um punho fechado. O músculo cardíaco é chamado de miocárdio. Sua superfície interna é recoberta por uma membrana delgada, o endocárdio. Sua superfície externa tem um invólucro fibro-seroso, o pericárdio. Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998

Quando se fala em "mínima interferência do sujeito", quer se dizer que a descrição de coração proposta acima é válida independentemente do estudioso de anatomia que a formulou.

A definição tradicional de ciência pressupõe que ela seja um modo de conhecimento com absoluta garantia de validade. A ciência moderna já não tem a pretensão ao absoluto, mas ao máximo grau de certeza. 

Quanto à garantia de validade, ela pode consistir: 

- Na descrição, conforme o exemplo acima;
- Na demonstração, como no caso de um teorema matemático;
- Na corrigibilidade, ou seja, na possibilidade de corrigir noções e conceitos, a partir dos avanços da própria ciência. 

Finalmente, é importante esclarecer que a aplicação da ciência resulta na tecnologia, ou no conhecimento tecnológico.

O senso comum 
O senso comum ou conhecimento espontâneo é a primeira compreensão do mundo, baseada na opinião, que não inclui nenhuma garantia da própria validade. Para alguns filósofos, o senso comum designa as crenças tradicionais do gênero humano, aquilo em que a maioria dos homens acredita ou devem acreditar.

A mais completa tradução do senso comum talvez sejam os ditados populares. A título de exemplo, eis alguns:

"Cada cabeça, uma sentença."
"Quem desdenha quer comprar." 
"Quem ri por último ri melhor." 
"A pressa é a inimiga da perfeição."
"Se conselho fosse bom, não era dado de graça."

A filosofia

Para Platão, a filosofia é o uso do saber em proveito do homem. Isso implica a posse ou aquisição de um conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais amplo possível; e também o uso desse conhecimento em benefício do homem. Essa definição, porém, exige a uma definição de benefício, que por sua vez exige uma definição de Bem. Para saber o que é o Bem, entretanto, também é necessário descobrir o que é a Verdade.

Alguns filósofos, definem a filosofia como a busca do Bem, da Verdade, do Belo e de como os homens podem conhecer essas três entidades. Portanto, a filosofia toma para si a árdua tarefa de debater problemas ou especular sobre problemas que ainda não estão abertos aos métodos científicos: o bem e o mal, o belo e o feio, a ordem e a liberdade, a vida e a morte.

Vamos a um exemplo de texto filosófico, em que um filósofo norte-americano, John Dewey, procura refletir justamente sobre o que é senso comum:

Visto que os problemas e as indagações em torno do senso comum dizem respeito às interações entre os seres vivos e o ambiente, com o fim de realizar objetos de uso e de fruição, os símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de caráter mais prático que intelectual. Esse sistema é constituído por tradições, profissões, técnicas, interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõem são efeito da linguagem cotidiana comum, com a qual os membros do grupo se intercomunicam. Lógica, VI, 6, J. Dewey

Tradicionalmente, a filosofia se divide em cinco áreas:

Lógica, que estuda o método ideal de pensar e investigar; 
Metafísica, que estuda a natureza do Ser (ontologia), da mente ( psicologia filosófica) e das relações entre a mente e o ser no processo do conhecimento (epistemologia); 
Ética, que estuda o Bem, o comportamento ideal para o ser humano; 
Política, que estuda a organização social do homem; 
Estética, que estuda a beleza e que pode ser chamada de filosofia da Arte. 

Convém concluir lembrando que a ciência e o pensamento científico se originaram com a filosofia na Grécia da Antigüidade. Com o passar do tempo, certas áreas da especulação filosófica, como a matemática, a física e a biologia ganharam tal especificidade que se separaram da filosofia.

A arte

O conhecimento proporcionado pela arte não nos dá o conhecimento objetivo de uma coisa qualquer, mas o de um modo particular de compreendê-la, um modo que traduz a sensibilidade do artista. Trata-se, portanto, de um conhecimento produzido pelo sujeito e pela subjetividade.

Veja por exemplo o seguinte soneto, escrito pelo poeta bahiano do século 17, Gregório de Matos, no qual ele dá a sua "visão" do braço de uma imagem do Menino Jesus que havia sido quebrada por holandeses protestantes, quando da invasão da cidade de Salvador: 

O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.
Em todo sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.



Fonte: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/filosofia/filosofia/conhecer_o_mundo/conhecimento_mundo

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Trechos Comentados - A ideologia Alemã - Parte 1

A Ideologia Alemã

Karl Marx
Friedrich Engels





1. A IDEOLOGIA ALEMÃ;EM ESPECIAL, A FILOSOFIA ALEMÃ.

As premissas de que partimos não constituem bases arbitrárias, nem dogmas; são antes bases reais de que só é possível abstrair no âmbito da imaginação.
As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência, quer se trate daquelas que encontrou já elaboradas a quando do seu aparecimento quer das que ele próprio criou. Estas bases são, portanto, verificáveis por vias puramente empíricas.

Neste parágrafo, percebemos uma das grandes críticas de Marx aos filósofos alemães da época. Para ele o mundo deve ser compreendido a partir da realidade, daquilo que nos cerca, e não a partir de idéias ou pensamentos. Trata-se da análise do mundo visível, concreto.


A primeira condição de toda a história humana é evidentemente a existência de seres humanos vivos.
O primeiro estado real que encontramos é então constituído pela complexidade corporal desses indivíduos e as relações a que ela obriga com o resto da natureza. Não poderemos fazer aqui um estudo aprofundado da constituição física do homem ou das condições naturais, geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e outras, que se lhe depararam já elaboradas. Toda a historiografia deve necessariamente partir dessas bases naturais e da sua modificação provocada pelos homens no decurso da história.

Aqui, o autor lista uma série de fatores que irão condicionar o desenvolvimento inicial da história humana. A natureza condicionará inicialmente a existência humana, assim como a dos demais seres vivos, determinando o nosso alimento, onde nos abrigaremos, enfim, nossas condições de vida As paisagens são iguais em todas as regiões do mundo? Pois é. Por serem diferentes, determinam também formas de vida diferentes, nesta fase inicial. Nada de especial, vamos ao próximo parágrafo.

Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os animais; porém, esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente que é conseqüência da sua organização corporal. Ao produzirem os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material.

Este parágrafo é um dos mais importantes. O homem somente se torna diferente dos demais anima, quando passa a dominar a natureza. Sim, apenas quando passamos a controlar as condições que nos cercam, sejam elas favoráveis ou não. Isso só poderia ser possível através do TRABALHO. Construir abrigos, plantar, cuidar dos animais, e por aí vai!

As formas como os homens produzem esses meios depende em primeiro lugar da natureza, isto e, dos meios de existência já elaborados e que lhes é necessário reproduzir; mas não deveremos considerar esse modo de produção deste único ponto de vista, isto é, enquanto mera reprodução da existência física dos indivíduos. Pelo contrário, já constitui um modo determinado de atividade de tais indivíduos, uma forma determinada de manifestar a sua vida, um modo de vida determinado. A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que são O que são coincide, portanto, com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma com que produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção. Esta produção só aparece com o aumento da população e pressupõe a existência de relações entre os indivíduos.

E chegamos ao trecho conclusivo. Perceba que para Marx, ao produzir sua existência o homem produz a si mesmo, produz seus costumes, suas relações com as outras pessoas e etc. As pessoas que vivem no campo, terão relações específicas daquele modo de produção, assim como as pessoas que vivem nas cidades, terão relações diferentes das do campo. E assim a história vai seguindo. Ao mudarmos as relações materiais, ou seja, a forma como o trabalho é realizado, mudamos nossos costumes, nossa consciência, enfim, nossos pensamentos. Tudo estaria ligado diretamente ao TRABALHO! Perceba que hoje você pode conversar com pessoas que estão bem distantes de você, ou até conversar com várias pessoas em locais distintos, simultaneamente. Esta forma de se relacionar é diferente da forma como seus pais, seus avós se relacionaram. Isto porque o TRABALHO, ou melhor dizendo, o modo de produção da nossa sociedade passou por modificações, mudando também a forma como nos relacionamos com as outras pessoas, e consequentemente com nossas idéias e pensamentos.

A forma dessas relações é por sua vez condicionada pela produção.

Revolução Industrial




Menos mobilidade, mais proximidade

Menos mobilidade, mais proximidade

Durante a semana, o Senhor M diz que gostaria de ter mais tempo para sua família, hobbies e vida social. Cada dez minutos a mais no trajeto casa/trabalho significam dez minutos a menos que ele dedica a sua família e à comunidade. Na verdade, mal existe um senso de comunidade, os vizinhos estão tão espalhados pela região que fica difícil fazer planos de se encontrarem.
Tem também o fator saúde: cada 30 minutos no volante aumentam em 3% o risco do Senhor M ficar obeso. Como ele trafega longas distâncias diariamente, senta-se na cadeira de um escritório e está sujeito ao estresse da vida cotidiana, é de se imaginar que sua saúde corre sério risco. Praticamente, todas as atividades da vida do Senhor M envolvem transportar-se de carro. E, apesar de ele ir bem rápido às vezes, seu tempo é devorado pelas distâncias que têm que vencer, mesmo nos finais de semana.
A Senhora K vive em um bairro montanhoso, com 178 habitantes por hectare, uma das densidades mais altas de seu país. As ruas são estreitas, conectadas por escadarias e passagens, antes frequentadas por trabalhadores revolucionários. Hoje, moram estudantes, artistas, imigrantes e outros cidadãos médios. A Senhora K trabalha na administração municipal, a quatro minutos a pé de sua casa, que fica no coração do bairro. Em dois ou três minutos a partir da porta da sua casa, ela acessa uma porção de lojas, restaurantes e lugares culturais.
Cerca de metade dos moradores do bairro possuem um carro, mas Senhora K não sente necessidade de um, já que tudo na sua vida está ao alcance de algumas pernadas e pouquíssimas coisas estão a mais de vinte minutos a pé. Ela ainda pode pegar metrô e ônibus ou usufruir do sistema automático e público de empréstimo de bicicletas, gratuito nos primeiros 30 minutos. Sua filha de 10 anos vai à escola também a pé, são apenas 3 minutinhos, e muitos de seus amigos vivem bem pertinho. Se desejam sair da cidade no fim de semana, vão de metrô até duas estações principais de trem.
Mobilidade versus proximidade, modernidade ou antiguidade. Desculpem a repetição fonética, mas existe a melhor maneira de viver hoje em dia? Enquanto o tema 'transporte alternativo' ou 'nova mobilidade' está em foco e domina a prioridade do planejamento urbano — porque, afinal viramos consumidores de mobilidade cada vez mais ágeis — sacrificamos o conceito de proximidade num esforço para acessar o que está distante. Vide o Senhor M.
Reflita: quanto mais nos deslocamos, menor nossa chance de aproveitar o lugar onde estamos, e menor ainda de desenvolver o senso de pertencimento e de comunidade. Quanto maior o incentivo por mobilidade, menor a capacidade de preencher nossas necessidades e vontades localmente, no seu próprio bairro, como a Senhora K. Há sempre um deslocamento pela frente, grande ou pequeno, a encarar. Dia após dia, ficamos menos exitosos em fazer valer nosso precioso tempo.
É curioso notar que, ao projetar o interior de uma casa ou do jardim, vence a proximidade. Espaços destinados para movimentação, como halls e corredores, não entram no cálculo do mercado imobiliário. Já quartos e salas ou qualquer outro lugar de uso real são valorizados. Num jardim, é entendimento intuitivo limitar o espaço de circulação em benefício dos canteiros de plantas. Por que então não usamos essa mesma intuição para promover espaços urbanos de real valor? Temos a chance de encorajar altas velocidades e grandes distâncias ou baixas velocidades e pequenas distâncias.
Ao permitir que as cidades espalhem-se para além de seus limites, os gestores municipais declaram que o problema é mobilidade insuficiente — sendo assim, as pessoas devem tornar-se móveis o suficiente para satisfazerem suas necessidades. Só que ninguém aguenta mais locomover-se tanto para tão pouco, ou pelo básico. Dá uma canseira danada e quando você se dá conta, nem fez tanto assim durante o dia! Praticamente em todos os níveis estamos ignorando o primordial e abraçando o secundário, sem consciência e importância às consequências.