quinta-feira, 5 de abril de 2012

Menos mobilidade, mais proximidade

Menos mobilidade, mais proximidade

Durante a semana, o Senhor M diz que gostaria de ter mais tempo para sua família, hobbies e vida social. Cada dez minutos a mais no trajeto casa/trabalho significam dez minutos a menos que ele dedica a sua família e à comunidade. Na verdade, mal existe um senso de comunidade, os vizinhos estão tão espalhados pela região que fica difícil fazer planos de se encontrarem.
Tem também o fator saúde: cada 30 minutos no volante aumentam em 3% o risco do Senhor M ficar obeso. Como ele trafega longas distâncias diariamente, senta-se na cadeira de um escritório e está sujeito ao estresse da vida cotidiana, é de se imaginar que sua saúde corre sério risco. Praticamente, todas as atividades da vida do Senhor M envolvem transportar-se de carro. E, apesar de ele ir bem rápido às vezes, seu tempo é devorado pelas distâncias que têm que vencer, mesmo nos finais de semana.
A Senhora K vive em um bairro montanhoso, com 178 habitantes por hectare, uma das densidades mais altas de seu país. As ruas são estreitas, conectadas por escadarias e passagens, antes frequentadas por trabalhadores revolucionários. Hoje, moram estudantes, artistas, imigrantes e outros cidadãos médios. A Senhora K trabalha na administração municipal, a quatro minutos a pé de sua casa, que fica no coração do bairro. Em dois ou três minutos a partir da porta da sua casa, ela acessa uma porção de lojas, restaurantes e lugares culturais.
Cerca de metade dos moradores do bairro possuem um carro, mas Senhora K não sente necessidade de um, já que tudo na sua vida está ao alcance de algumas pernadas e pouquíssimas coisas estão a mais de vinte minutos a pé. Ela ainda pode pegar metrô e ônibus ou usufruir do sistema automático e público de empréstimo de bicicletas, gratuito nos primeiros 30 minutos. Sua filha de 10 anos vai à escola também a pé, são apenas 3 minutinhos, e muitos de seus amigos vivem bem pertinho. Se desejam sair da cidade no fim de semana, vão de metrô até duas estações principais de trem.
Mobilidade versus proximidade, modernidade ou antiguidade. Desculpem a repetição fonética, mas existe a melhor maneira de viver hoje em dia? Enquanto o tema 'transporte alternativo' ou 'nova mobilidade' está em foco e domina a prioridade do planejamento urbano — porque, afinal viramos consumidores de mobilidade cada vez mais ágeis — sacrificamos o conceito de proximidade num esforço para acessar o que está distante. Vide o Senhor M.
Reflita: quanto mais nos deslocamos, menor nossa chance de aproveitar o lugar onde estamos, e menor ainda de desenvolver o senso de pertencimento e de comunidade. Quanto maior o incentivo por mobilidade, menor a capacidade de preencher nossas necessidades e vontades localmente, no seu próprio bairro, como a Senhora K. Há sempre um deslocamento pela frente, grande ou pequeno, a encarar. Dia após dia, ficamos menos exitosos em fazer valer nosso precioso tempo.
É curioso notar que, ao projetar o interior de uma casa ou do jardim, vence a proximidade. Espaços destinados para movimentação, como halls e corredores, não entram no cálculo do mercado imobiliário. Já quartos e salas ou qualquer outro lugar de uso real são valorizados. Num jardim, é entendimento intuitivo limitar o espaço de circulação em benefício dos canteiros de plantas. Por que então não usamos essa mesma intuição para promover espaços urbanos de real valor? Temos a chance de encorajar altas velocidades e grandes distâncias ou baixas velocidades e pequenas distâncias.
Ao permitir que as cidades espalhem-se para além de seus limites, os gestores municipais declaram que o problema é mobilidade insuficiente — sendo assim, as pessoas devem tornar-se móveis o suficiente para satisfazerem suas necessidades. Só que ninguém aguenta mais locomover-se tanto para tão pouco, ou pelo básico. Dá uma canseira danada e quando você se dá conta, nem fez tanto assim durante o dia! Praticamente em todos os níveis estamos ignorando o primordial e abraçando o secundário, sem consciência e importância às consequências.

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